segunda-feira, 7 de junho de 2010

Bolas e tijolos

Com o frenesim do mundial de futebol, reportagem numa empresa de vão de escada de uma remota cidade do Paquistão. Fabrica 25000 bolas de futebol por dia, 40% mais do que em tempo normal, destinadas sobretudo a ser comercializadas na Europa, a uma média de 25€ cada. As bolas são cosidas à mão por operários com muitos anos de experiência (calma, isto não é um manifesto lamechas contra a exploração do Terceiro Mundo, enfim, talvez um bocadinho, já lá vamos). Cada bola demora entre uma hora e meia e duas horas a ser cosida e rende 70 cêntimos de euro aos operários. Conseguem fazer 5, 6, 7 por dia. Entre 4,50 € e 5€ de salário, portanto. Não se queixam: "É bem pago, trabalhamos sentados e não está muito calor". Lá fora, 38°. (calma, só chegámos a metade da história, agora é que começa a ter piada). Bom, o dono, que também é fresco, assegura perante as câmaras de televisão: "Aqui não trabalham crianças! Isso era antigamente!" (há 6 meses, quando o mundial ainda vinha longe e as TVs ocidentais não iam lá meter o nariz?) É verdade. Lá está a posar para a TV um garboso funcionário de um ministério qualquer, com uma pasta bem grossa mas aparentemente vazia, a certificar a informação, qual representante do Governo Civil nas extracções do Totobola. Que bonito, acabou o trabalho infantil promovido ou pelo menos ocultado pelas multinacionais da bola. Voz off: "as grandes sociedades já não correm o risco de subcontratar a empresas que recorrem a trabalho infantil, com receio de que isso degrade a sua imagem junto dos consumidores" (mas será que alguém deixou de comprar uma bola de futebol por essa Europa fora com escrúpulos desta natureza?). As ONGs ocidentais aplaudem e lá vão de fim-de-semana, indulgentes e convencidas com as juras da Nike e dos outros todos. Agora vem a parte verdadeiramente engraçada: a poucas centenas de metros do vão de escada, uma fábrica de tijolos. Enfim, um terreno árido ladeado de barracões. O trabalho é sobretudo feito no exterior. Lá estão os operários, vergados ao peso e ao calor, a jornadas de 12 horas. O mais velho tem 15 anos. Uma irmã também lá trabalha. Não sei quanto ganha por dia, mas de certeza que não são 4 nem 3 nem 2 euros. Interrogado, responde: o que eu gostava era de trabalhar na fábrica de bolas, mas agora é proibido. Coragem, um dia a Nike começa a vender tijolos e talvez vocês arranjem outro trabalho menos visível.

domingo, 6 de junho de 2010

Abaixo a selecção, o Cristiano Ronaldo e o resto!

Os telejornais da televisão pública têm sido, desde o início do mês de Maio, um caso ainda mais sério de incompetência e falta de qualidade do que habitualmente. Futebol e Fátima têm dominado, desde o título do Benfica à visita do Papa, da desgraçada selecção à reportagem sobre a réplica da basílica de Fátima em Caracas. Quanto à selecção, um desejo forte e sincero: que perca os jogos todos e regresse a casa vencida e vergada. Que corram com o Prof. E com o Madaíl, retrato vivo do país, palavroso, petulante, homenzinho ridículo que se dá ares de sério fazendo voz grossa e franzindo a testa. E que passemos enfim às coisas importantes! E talvez possamos ser um país a sério. Lá mais para diante. Depois de a selecção perder com o Luxemburgo e o Liechtenstein (já faltou mais...). E eu que adoro futebol! E que sou benfiquista. Onde isto chegou!... Sinceramente, odeio este torpor místico/futebolístico em que nos têm mergulhado nos últimos tempos. Quero lá saber se o Pepe recupera, se o Pedro Mendes está aleijado, se joga o Liedson ou o Hugo Almeida! Desejo que percam. Por muitos, de preferência com a Coreia do Norte, que levem 7 do Brasil, que percam já com a Costa do Marfim, 3-0, terapia colectiva, acabou-se o "sonho". Basta! Quero lá saber dos emigrantes na Venezuela que com sangue, suor e pesos vão construir uma réplica da horrível basílica de Fátima. Por favor! Portugal é mais do que isto. Vale mais do que isto. Mas as pessoas vivem num desesperante circuito fechado, como os hamsters na roda. Desligados de si próprios e do mundo, anestesiados e patetas, ligados a uma máquina infernal que os manipula e que eles sabem que os manipula. Mas eles gostam, atoleimados, olhando para a ponta do nariz pensando que é o Cabo da Roca. Agitando bandeirinhas da pátria ou do vaticano, gostando que gostem deles e isso já lhes basta. "Speak english?", "oh! Lisbon, the sun, the food". Na pequena mercearia que é Portugal, está tudo virado do avesso, as coisas inúteis são as mais importantes, o acessório torna-se essencial. E o egoísmo impera. E os desesperantes milionários por interposta pessoa, que adoram vibrar com as histórias um pouco sórdidas e pelo menos desinteressantes do "jogador mais caro do mundo" (mas talvez não o melhor), a "Liga dos milhões" (e não a "Liga dos Campeões"), a "capitalização da bolsa". É uma intoxicação colectiva, uma febre de "dinheirismo" (obrigado Raúl Solnado) alimentada pela RTP, pela SIC, pela TVI, pelos seus repórteres histéricos e incompetentes, pelas suas redacções incultas e de vistas estreitas, imersos até aos olhos num universo de aparência, distorção e alheamento colectivo. E o que é que isto tudo tem a ver com Vale de Janeiro, pergunta alguém? Nada... Mas vejam esta parvoíce na página da TV pública FátimaFutebol. Está tudo explicado. Se é estúpido e escandaloso, tem a ver com toda a gente.