segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Vale de (Pedro) Janeiro?





Nas suas Memórias Arqueológico‑Históricas do Distrito de Bragança, o Abade de Baçal (Baçal, 9 de Abril de 1865 ­‑ Baçal, 13 de Novembro de 1947) afirma o seguinte no volume dedicado, entre outras, à origem dos nomes das povoações:

“Vale de Janeiro - Nos documentos medievais aparecem frequentemente pessoas que têm o nome de meses do ano (...). Viterbo * menciona um Pedro Janeiro a quem D. Godinho, bispo de Lamego, emprazou certos bens em 1189. Daqui poderemos concluir que a povoação bragançana deve o nome ao proprietário do vale em que assenta”.
Rumemos então a Viterbo, movidos por “ses”, “porquês” e “comos”. Que conta o “Elucidário” do frade franciscano (Vol. 1, pág. 379)?
"No [ano] de 1189 D. Godinho, Bispo de Lamego, emprazou a Pedro Janeiro hum Casal em Paredes, com Foro da terça parte do vinho, que nelle se produzisse. (...) Vendeo o mesmo Emfiteuta este Prazo com authoridade do Bispo de Lamego D. Pedro de boa memoria, no [ano] de 1208; declarando, que além do Foro, ou Pensão do vinho, pagaria o Comprador annualmente à Mitra unam pernam de porco, & unam taligam de tritico, & duos capones , & decem ova , & unum arcum, & uno sesteiro de castaneis , & non amplius. (...)”.

Hmmm... Então o prazo dado por D. Godinho a Pedro Janeiro afinal fica em Paredes. Bem longe para aqueles tempos. E a Paredes de que aqui se fala será, com toda a probabilidade, Paredes da Beira, freguesia do concelho de São João da Pesqueira, diocese de Lamego e distrito de Viseu. Parece pouco provável que um “prazo” situado em Paredes se tenha estendido até terras de Vinhais. Além disso, o antigo nome da aldeia, Santa Maria do Castelo, subsistiu pelo menos até 1250, ano em que o castelo cristão construído entre os séculos X e XI “foi demolido por já não responder às necessidades de defesa do território” (in Guia do Ecomuseu de Vinhais, Ed. Corane e Câmara Municipal de Vinhais, Abril de 2009).

A obra do Abade de Baçal tem muito mérito e utilidade mas, neste caso, tira uma conclusão algo apressada de um facto histórico de que dá uma uma informação incompleta.

Mantém-se então o mistério!

* Viterbo, frade franciscano (de nome completo Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo), autor do impressionante e esquecido “Elucidário das palavras, termos e phrazes, que em Portugal antigamente se usaram, e que hoje regularmente se ignoram: obra indispensável para entender sem erro os documentos mais raros e preciosos que entre nós se conservam. Publicado em beneficio da litteratura portugueza, e dedicado ao Principe Nosso Senhor”.