sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

História Passada na Coutada


Da esquerda para a direita: Justino, Tio Lázaro, tio do poeta, Tó Zé, António, marido da Teresa e Tio Torcato
Se bem me lembro, o petisco neste dia foram amêijoas (é o que parece que está dentro do tacho, não é?)

Chegaram recentemente à redacção estes versos de um velho amigo e ainda familiar, perdido há anos na Serra de Sintra mas que não esquece as origens nem as histórias da infância. Aqui fica a "História Passada na Coutada" do Justino Rodrigues. Se mais almas de poetas houver por aí escondidas, não hesitem em enviar. Anonimato garantido se requerido e devidamente justificado... Recado para o Tio Chico: a parte restante da sua "Vida Atribulada" seguirá dentro em breve.

História Passada na Coutada

Tinha eu 6 anos de idade,
Quando tudo começou
Guardava as vacas no lameiro
Quando a galinha cantou

Na época na aldeia
Não havia televisão 
Por isso à noite na lareira
Era só bruxedo, mortes e confusão

Andava com o meu irmão Eduardo
As vacas a pastar
Andávamos na brincadeira
Ouvimos a galinha cantar

Ficámos cagados de medo
Que a bruxa ia atacar
Escondemo‑nos atrás da fraga
Foi grande a aflição

Era tanto o medo
Que até agarrámos o cão
Lá nos pusemos à escuta
Até que coragem chegou

A galinha cantava
Mas que susto nos pregou
Lá fomos andando lameiro abaixo
De medo íamos a tremer
Não sabíamos o que nos esperava
Pois a bruxa podia aparecer

Passámos o ribeiro
Com o cão a acompanhar
Mas lá fomos nós
Para a bruxa apanhar

Andava com tanta fome
Que para nós logo correu
Demos-lhe o pão da merenda
Ela logo o comeu

Saiu-nos então o medo
Vimos que era uma galinha
Só não sabíamos
Era de onde a galinha vinha

Lá veio no bornal da merenda
Direitinha ao galinheiro
Vínhamos os dois a correr
Para ver quem contava primeiro

A minha mãe ralhou
Pensou que a tínhamos roubado
E não acreditava
Que a tinha encontrado

Dois meses se passaram
Mas sem nada acontecer
Até que um certo domingo
O dono resolveu aparecer

Quando o homem a viu
Começou logo a rir
Porque estava nas Cavages
Lá a viu ele partir

O falecido Chico das Cavages
Era o dono da pobrezinha
Ficou admirado
Quando viu a galinha

Minha mãe ficou envergonhada
Pensou que a tínhamos ido buscar
Por isso ainda estava
Com vontade de ralhar

Então o Ti Chico a contar
Como tudo se passou
Estava sentado na escada
Quando o gavião a levou

Nunca mais ele pensou
A galinha voltar a ver
Por isso deixou a galinha
Para uma canja fazer

E com isto me despeço
Não vos vou maçar mais
Mas primeiro
Um abraço deste grande amigo
Da freguesia de VALE DE JANEIRO

Isto é para começar
Estou mesmo a ver
Vou dormir a pensar
No que vou voltar a escrever

Justino Rodrigues

sábado, 7 de janeiro de 2012

“Na era de 1958, foi perdida uma menina”


Página de pequena agenda com registo da data e local do desaparecimento
No ano de 1958, numa tarde quente do mês de Julho, a pequena Maria Virgínia, de três anos, foi apanhar cerejas com a sua tia Miquelina. Passada a encruzilhada do alto do Barreiro, a menina, talvez por estar já cansada, quis voltar para casa. Deu meia volta e, chegada de novo à encuzilhada, meteu por um carreiro, tomando, sem saber, um caminho contrário à aldeia que a levou sem rumo por sítios e veredas desconhecidos.

As horas passaram e a noite chegou sem sinal da criança, deixando os pais, os familiares e todo o povo em grande aflição. Fizeram-se promessas à Senhora da Saúde e implorou-se a protecção de S. Tiago, pois era grande o temor aos lobos que, naquela época, mesmo no Verão, rondavam de perto a aldeia.

A noite devia estar ventosa, pois um familiar da menina, o tio Américo, conseguiu distinguir, no meio daquele silêncio pesado, uns gemidos ténues vindos da encosta da Senhora da Saúde. Subiu o monte para tentar localizar a sua origem, mas, à medida que subia, os gemidos deixavam de se ouvir; voltava então a descer a encosta e de novo recomeçavam. Várias vezes subiu e desceu o tio Américo a encosta sem conseguir detectar de onde provinham aqueles queixumes trazidos pelo vento.

Durante toda a noite a população procurou a criança em poços, riachos e buracos, caminhos e carreiros, todos os locais que pudessem constituir perigo para a sua vida. Mas em vão.

No dia seguinte, juntaram-se ao resto do povo todas as crianças da escola, que a professora, D. Preciosa, de Vilar de Ossos, dispensou das actividades escolares a fim de também elas poderem participar nas buscas. E assim, todos juntos, começaram a trilhar a encosta, passo a passo, metro a metro.
Pelas duas da tarde, no local do Campanário da Senhora da Saúde, um cão, de nome Piripiri, pertencente ao Gabriel dos Anjos, uma das crianças que participava nas buscas, farejava com insistência num certo sítio, agitando a cauda em tal alvoroço que o António Fontes, não querendo deixar passar a eventualidade de uma refeição melhorada, se pôs a fazer oportuna pontaria, imaginando algum coelhito ou perdiz ou qualquer outro animal comestível que naquela altura abundavam pelos montes. Subitamente, e para grande alegria do povo, saiu do refúgio, assustada e enfraquecida por uma noite passada ao relento, ao frio e em total solidão, a “menina perdida”, nome por que ficou conhecida durante muitos anos.

Deste episódio conta hoje a sua protagonista que apenas se recorda de descer o caminho ao colo de alguém, seguida de muitas crianças e de a tia Lídia Veiga, que fora levar o almoço aos ceifeiros, lhe perguntar se tinha fome e se queria alguma coisa.
“Quero água”, respondeu.
“E queres sopa? Queres arroz?”, insistiu a tia Lídia.
“Quero pão”, balbuciou a pequena.
Afinal, pão e água, bem mais do que a resposta ao instinto natural de querer matar a fome e a sede, são a essência, senão da vida, pelo menos da sobrevivência.

(PS: agradeço à Maria Virgínia Morais por me ter relatado este episódio)

 Foto: Nuno Fontes Nunes.

Maria Helena Nunes
Vale de Janeiro, 25 de Dezembro de 2011

domingo, 6 de novembro de 2011

Vale de Janeiro em 1758 - III


Terceira e última parte da Memória Paroquial de Vale de Janeiro de 1758, com as respostas sobre a Serra e o Rio

O QUE SE PROCURA SABER DESSA SERRA É O SEGUINTE:

As perguntas sobre a serra, 13 no total, obtiveram a seguinte resposta do Padre Diaz:

“Neste interrogatorio que fala da Serra nam tenho que falar por nam haver neste destrito couza alguma.”

O QUE SE PROCURA SABER DESSE RIO É O SEGUINTE:

Aqui chegado, e depois de alguns árduos dias passados a recolher dados e a transcrever as respostas à pena, a paciência já não devia ser a mesma. Talvez por isso as respostas às segunda e terceira partes demonstram menos método e rigor. A resposta às 20 perguntas sobre o Rio (Como se chama, o sítio onde nasce, se corre todo o ano, se é navegável, que embarcações pode comportar, etc) é dada num único e longo parágrafo, nem sempre com grande rigor nem clareza, contrariamente às águas do rio:

“O que se procura saber no interrogatorio do rio.

Ao pé da Quinta das Cavages, anexa desta Freguezia de Val de Janeiro, corre hum rio que por nome se chama Thuella (sic) que tem seu princípio na serra chamada de Libiam (?) (Serra Segundera). Ahi mói hum moinho, tem outro nacente na Senhora da Toiça com a mesma qualidade, tem outro nacente no lugar chamado Drozo (?), com a mesma abundancia de agoa e logo a poucos passos se juntam os três nacentes e adonde nacem se juntam. Tudo hé Reyno de Castella. Este corre do Norte pera o Sul e desde o lugar chamado Muymenta (sic) emté à villa de Mirandela tem cinco pontes de pedra. Em tempo de Imverno (sic) hé muito caudaloso e de Veram (sic) nunqua (sic) sequa (sic). A qualidade que nele se queriam (sic, por “criam”) sam trutas, vogas, barbos, escallos, imguias (sic) Emté ao distrito de Mirandella nam hé naveguável (sic); há muitos moinhos nelle e azenhas. Nam tenho delle mais notícia somente o juntar se com outro rio cá chamado Sabor que as suas agoas sam boas para sarar imfirmidades às criaturas e animais tomando vanhos (sic) nelle. E logo mais adiante se mistura com outro chamado Douro, sempre caudalozo e dispois desinvocam no mar perdendo o nome de Tuela fiqua com o nome Thua e nam pude alcançar notícia das legoas que tem de distancia do princípio emté ao fim. E dos mais interrogatorios deste rio nam tenho que dizer a elles.

E por ser verdade passei a prezente que asignei, oje (sic) Val de Janeiro e Abril, 8 de 1758, o Pe. Cura Antonio Diaz.“

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Vale de Janeiro em 1758 - II


Segunda parte das Memórias. Aqui vão então as respostas enviadas pelo pároco de Vale de Janeiro em Abril de 1758 às últimas dezassete perguntas da primeira parte do Inquérito Paroquial de 1758. Mais uma vez, uma palavra especial para a obra coordenada pelo Professor José Viriato Capela, da Universidade do Minho, "As Freguesias do Distrito de Bragança nas Memórias Paroquiais de 1758", que recebi hoje mesmo (comprada na Livraria Minho, em Braga) e que contém a transcrição completa das respostas relativas a todas as freguesias do Distrito de Bragança. Consegui assim corrigir alguns erros e imprecisões da primeira parte e poupar os olhos a um trabalho de decifração demorado e provavelmente inglório...

10. Se tem conventos e de que religiosos ou religiosas e quem são os seus padroeiros?
A este nam tenho que dizer.

11. Se tem hospital, quem o administra e que renda tem?
A este também nada.

12. Se tem casa de misericórdia e qual foi a sua origem e que renda tem; e o que houver notavel em qualquer destas coisas?
Da mesma sorte.

13. Se tem algumas ermidas e de que santos e se estão dentro, ou fora do lugar e a quem pertencem?
Acham-se nesta freguezia da Senhora d’Assumçam do lugar de Val de Janeiro trez capellas além da matriz, adonde se acha o o orago, huma dellas hé no memso lugar de Val de Janeiro, chamada de Santo Antam abbade. Nella está a pia baptismal e os santos oleos e nella se diz a maior parte do anno missa aos freguezes (sic). Nam tem rendimentos. Outra capella está sita na anexa da Maçaira com o thitollo de Senhora do Rozario. Tem fazendas aboticadas pera a fabrica da mesma capella que bem valem trezentos mil reiz. Hé administrador della Joam Gonçalves da mesma Quinta, homme labrador. Há na mesma Quinta outra capella chamada de Santo Justo, que hé dos mesmos moradores da Quinta que elles mesmos adornam por nam ter outro rendimento. Tem a Quinta das Cavages, anexa desta mesma freguezia hua capella com o thitolo de Santo Miguel a oito de Mayo. Tem fazendas aboticadas e nam sei coantas por nam constar da instituição da mesma capella.

14. Se acodem a elas romagem, sempre ou em alguns dias do anno e quais?
A este nam há nada.

15. Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem em maior abundância?
Os frutos que colhem nesta freguezia são os seguintes: pam centeio, algum trigo, castanhas em abundância, vinho menos que midiano (!), peras, maçams, cerejas, prexegos (sic), molecotam, ameixoas.

16. Se tem juíz ordinário, etc., câmara ou se está sujeita ao governo das justiças de outra terra e qual é esta?
A este nam há nada.

17. Se é couto, cabeça de concelho, honra ou behetria (povoação cujos vizinhos tinham o direito de eleger o seu senhor)?
Nada.

18. Se há memória de que florescessem, ou dela saíssem alguns homens insignes por virtudes, letras ou armas?
Nada.

19. Se tem feira e em que dias e quantos dura, se é franca ou cativa?
Nada.

20. Se tem correio e em que dias da semana chega e parte; e se o não tem, de que correio se serve e quanto dista a terra aonde ele chega?
21. Quanto dista da cidade capital do bispado e de Lisboa capital do reino?
Nam tem correio, o que serve hé o de Bragança para Chaves. De Bragança a Chaves dista doze legoas[1] e da cidade capital do bispado à cidade capital do Reyno, que hé Lisboa, dista oitenta legoas.

22. Se tem alguns privilegios, antiguidades, ou outras coisas dignas de memória?
Nam tenho que dizer.

23. Se há na terra ou perto dela alguma fonte, ou lagoua célebre e se as suas águas tem alguma especial qualidade?
Nam há fontes de qualidade que se procurem.

24. Se for porto de mar, descreva-se o sítio que tem por arte ou por natureza, as embarcações que o frequentam e que pode admitir?
Nam há nada que diga.

25. Se a terra for murada, diga-se a qualidade de seus muros; se for praça de armas, descreva-se a sua fortificação. Se há nela ou no seu distrito algum castelo ou torre antiga e em que estado se acha ao presente?
O mesmo.

26. Se padeceu alguma ruina no Terremoto de 1755 e em quê e se está reparada?
No Terremoto pella miziricordia de Deos nam padeceo couza alguma.

27. E tudo o mais que houver digno de memória, de que não faça menção o presente interrogatório
Neste interrogatorio nam tenho que dizer.


Fim da Primeira Parte. Como se diz no cinema, não percam, dentro em breve, o terceiro e último capítulo desta saga, com as respostas relativas à Serra e ao Rio!


[1] Uma légua, até 1885, equivalia a 6600 metros. Passou nessa data a representar cerca de 5000 metros, e assim é até hoje.

sábado, 15 de outubro de 2011

Vale de Janeiro em 1758 - Corrigido


A ideia era antiga, pelo menos de 1721: um ano após a criação da Academia Real de História (1720), D. João V ordenou a elaboração de uma obra que se chamaria Lusitânia Sacra, que deveria conter informações sobre todas as paróquias, aldeia e lugares do Reino, mas também uma descrição geográfica, demográfica, histórica, económica e social tão exaustiva quanto possível do país. Responsável pela elaboração do inquérito foi precisamente a recém-formada Academia Real de História, que o enviou às autoridades religiosas e civis para que coligissem toda a informação. No entanto, a maioria dos inquéritos não foi devolvida. Apenas terão sido elaborados dois volumes, publicados em 1747 e 1752. Segundo se sabe, mais material existiria na altura, mas tudo se perdeu com o terramoto de 1 de Novembro de 1755.
Pouco mais de dois anos depois, os trabalhos foram retomados e ganharam acrescida importância, pois urgia agora determinar acima de tudo o estado em que ficara o país depois do terramoto. Assim, por aviso de 18 de Janeiro de 1758 do Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, mandava‑se remeter a todos os párocos do Reino, através dos principais prelados, um interrogatório sobre todas as paróquias e povoações do país. A Igreja era na altura a única instituição com representantes em todos os pontos do Reino, dos mais centrais aos mais remotos, constituindo uma malha uniforme, homogénea e disciplinada, suplantando mesmo a organização administrativa dependente do Estado.
No total, o interrogatório continha cerca de 50 perguntas e estava dividido em três partes, relativas à localidade propriamente dita e à paróquia, à serra, e ao rio. Pediam‑se informações de carácter geográfico (localização, relevo, distâncias), administrativo (comarca, concelho, dimensão, e confrontações), e demográfico (número de habitantes), sobre a estrutura eclesiástica e a vida religiosa (orago, benefícios, conventos, igrejas, ermidas, imagens milagrosas, romarias), a assistência social (hospitais, misericórdias, irmandades), as principais actividades económicas (agrícola, mineira, pecuária, feira), a organização judicial (comarca, juiz), as comunicações existentes (correio, pontes, portos marítimos e fluviais), a estrutura defensiva (fortificações, castelos ou torres), os recursos hídricos (rios, lagoas, fontes) e outras informações consideradas assinaláveis (pessoas ilustres, privilégios, antiguidades), e quais os danos provocados pelo terramoto de 1755. Desta vez, surpreendentemente, as respostas foram bastante mais numerosas e sobretudo enviadas muito mais rapidamente (o pároco de Vale de Janeiro, António Diaz, por exemplo, respondeu em Abril de 1758, ou seja, cerca de três meses depois de receber as perguntas).
Relativamente ao que aconteceu a seguir, as datas são incertas. Sabe‑se, porém, que em 1843 os 44 volumes contendo as respostas dos párocos estavam depositados no Arquivo da Torre do Tombo, onde ainda hoje permanecem. Este enorme acervo de informação sobre o Portugal pós‑terramoto foi ao longo dos anos diversamente estudado e explorado (encontram‑se noutros blogues de cariz “regional” ou “local” como este algumas transcrições e há obras muito interessantes sobre o assunto, como por exemplo esta impressionante e minuciosa monografia, coordenada pelo Professor José Viriato Capela, da Universidade do Minho, sobre "As Freguesias do Distrito de Bragança nas Memórias Paroquiais de 1758", que não só fornece um manacial de informações preciosas sobre as freguesias mas contextualiza com grande erudição a recolha de dados em que se traduziu o grande Inquérito Paroquial de 1758), mas não existe um estudo sistematizado e completo que abranja todo o país.
A verdade é que, com mais ou menos diligência e empenho, mais ou menos precisão e mais ou menos legibilidade ortográfica, os curas e párocos portugueses da época enviaram do país de meados do Século XVIII um retrato que, mesmo podendo não ser muito rigoroso nem exaustivo, contém informações preciosas sobre uma época crítica de viragem social e económica de Portugal.
Aqui fica então o que o pároco António Diaz mandou para o Terreiro do Paço sobre a aldeia de Vale de Janeiro. A transcrição respeita, na medida do possível, a ortografia original. As dúvidas vão assinaladas com um ponto de interrogação e as impossibilidades de descodificação com um triste espaço em branco sublinhado. Por agora, cheguei apenas à resposta n.° 9. O restante seguirá dentro em breve.

1) Em que província fica? A que bispado, comarca, termo, e freguesia pertence?
Vale de Janeiro
He da Província de Trás-os-Montes, termo da Vila de Vinhais, Bispado de Miranda do Douro. (Senhor donatário desta vila he o Senhor Conde de Atougia) (resposta à pergunta 2, mas inserido na resposta à pergunta 1).

2) Se é d’El Rei, ou de donatário, e de quem o he ao presente?
Senhor donatário desta vila (sic) he o Senhor Conde de Atougia.
Hé este lugar aldea pequena (sic) está em hum comcavo, nam se avista delle terra alguma. He apresentado alternativamente pello Reverendo Doutor Manuel de Chaves, Abbade de Santo Nicolau de Candedo e pello Reverendo Dom Joam de Sá Pereira do Lago, Abbade de Santo Lourenço do Lugar de Rebordelo.

3) Quantos vizinhos tem, o número das pessoas?
Vezinhos (sic) tem nelle com duas anexas que tem Maçayra e Cavages, sam sessenta e o número das pessoas emtre (sic) pequenas e grandes, duzentas e trinta.

4) Se está situada em campina, vale, ou monte; e que povoações se descobrem d’ela, e quanto dista?
Maçayra está situada em terra playna descobre‑se della o lugar de Valpaço e seu termo dista delle um coarto de légua.

5) Se tem termo seu [1]: que lugares, ou aldeias comprehende: como se chamão: e quantos vizinhos tem?
Tem termo de seu.

6) Se a paróquia está fora do lugar, ou d’entro d’ele? E quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia; e todas pelos seus nomes?
A parrochia está fora do lugar em hum alto chamado Serro do Castelo, delle se discobrem dez legoas em roda.
 
7) Qual é o seu orago [2], quantos altares tem, e de que sanctos: quantas naves tem: se tem irmandades: quantas, e de que santos?
O horago (sic) he a Senhora da Assunçam, tem trez altares, um do mesmo orago, outro de Santa Bárbara, outro de Santa Eufémia e nam tem rendimentos. Cavages estam metidas em hum bosque, nam se avista terra alguma somente hum rio que passa ao pé dellas.
 
8) Se o pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação he, e que renda tem?
O Parrocho hé cura anual por aprezentaçam dos Beneficiados supra. A Renda que tem sam oito mil Réiz e vinte e dois alqueires de trigo, vinte alqueires de centeio, doze almudes de vinho.
 
9) Se tem beneficiados: que renda tem: e quem as apresenta?
A esta nam tenho que dizer.


[1] “Ter termo seu” significava, na época, constituir uma freguesia propriamente dita, ou sede de freguesia.

[2] Patrono, orago ou padroeiro é um santo ou anjo a quem é dedicada uma localidade, povoado ou templo (capela, igreja, etc). A palavra descende de oráculo.



sábado, 8 de outubro de 2011

Uma Vida Atribulada

Vale de Janeiro é uma terra de poetas. Toda a gente nalgum momento fez quadras (sobretudo os mais antigos) e já se publicaram aqui alguns versos de uma famosa poetisa... Aqui vão então as primeiras quadras de uma obra intitulada “Uma Vida Atribulada” do Sr. Francisco dos Anjos (o Tio Chico). O relato termina (por agora) no fim da tropa. Muito resta ainda por contar... Obrigado Tio Chico!



Vou então começar
Que não tenho mais que fazer
Mas isto tudo é verdade
O que aqui vou escrever

Quem a mim me conhece
Vai dizer que tenho razão
Vou contar a minha vida
Desde a minha criação

Minha mãe era pobre
Não tinha pão para me dar
Eu não sabia porquê
Mas via-a sempre a chorar

Eu via-a tão aflita
Também começava a chorar
0 que tem, oh minha mãe?
Não tenho pão p’ra te dar

Que queres que eu te faça
Não posso ir roubar
E com bons modos me dizia:
“Meu filho vai-o ganhar”

Eu não posso ir ganhar
Só se for pedir esmola
Eu ainda sou pequenino e
Tenho que ir à escola

Minha mãe você bem sabe
Que é preciso saber ler
Pois se eu for para a tropa
Quem é que me vai escrever?

Eu então dizia assim
Deixe lá oh minha mãe
Deus também deixou escrito
Com fome não morre ninguém


Isto assim se foi passando
Até que cheguei aos 10 anos
Depois de sair da escola
Fui então servir uns amos

Eu então fui a servir
Não era eu o primeiro
P’ra onde havia de ir
Fui então para Vale de Janeiro

Quando minha mãe me levou
Eu ia todo contente
Porque a minha mãe me dizia assim
“vais p’ró pé de boa gente”

Lá que seja boa gente
Eu nisso também quero crer
Se são bons ou maus
No fim estamos p’ra ver

Tudo que a minha mãe dizia
Para mim era brincadeira
Quem haviam de ser os amos?
Eram os d’Assobreira

Estive lá 8 anos
8 anos de benção
Nunca eu tinha pensado
Arranjar este (outro) patrão

Mas isto caros leitores
São coisas que têm de ser
Até que chegou o dia
Em que nos fomos aborrecer

Oh! que dia tão maldito
Que dia tão infeliz
Quando cheguei à “Portela”
É que pensei no que fiz

Depois de ter feito o mal
Então é que reparei
Não arranjo mais patrões
Como aqueles que deixei

Mas vamos embora à frente
As coisas não serão feias
Fui dali para Curopos
Para casa dos Correias

Tudo era muito lindo
Mas foi quando lá cheguei
Mas eles não eram patrões
Como aqueles que deixei

Como aqueles que deixei
Nem eram bons de encontrar
Lá estive em casa dos Correias
Até que fui para militar

Lá andei 19 meses
Que tempo tão encantado
Nunca mais volto a ter
Vida como a de soldado

Quando me fui a fardar
Ainda hoje me dá a risa
Se as calças eram grandes
Maior era a camisa

Eu estive mais de uma hora
Para me conseguir fardar
Nisto chega um Sargento
Deste modo a falar

Não te enrasques meu rapaz
Como tu ainda há mais
­‑ Diz-me lá de onde és
- Eu pertenço a Vinhais

Que tu és de Vinhais
Isso eu já sabia
Eu queria que me dissesses
Qual a tua freguesia


Você devia saber
Qual a minha freguesia
Porque eu já entreguei
Umas guias que trazia

As guias que tu trazias
Não têm a tua residência
Diz lá de onde tu és
Tem lá um pouco de paciência

Já estava tão “chateado”
E bastante aborrecido
As guias que eu trazia
Têm lá tudo esclarecido

Lá andámos na recruta
Parecíamos uns tontos
No fim dos 4 meses
Passámos então a prontos

Passámos então a prontos
Ficámos a ser soldados
Depois fomos escolhidos
Para ir prá escola de cabos

Mas eu tive pouca sorte
Sempre a tive infelizmente
Passados uns 20 dias
Encontrei-me então doente

Encontrei-me então doente
Estive bastante mal
Por acaso ainda estive
30 dias no hospital

Não tirei a escola de cabos
Pouca sorte foi a minha
Que me havia de passar
Andei todo o ano na “linha”

Quando rendia a parada
Ficava logo a tremer
Porque eu já sabia
0 que me ia acontecer

Aquilo era de tremer
Quando chovia e nevava
Aquilo era muito frio
Com vergonha não chorava

Eu bem olhava para o relógio
Para ver quando chegava a minha hora
Lá estava na guarita
Deitando a cabeça de fora

Quando chovia e nevava
É que era precisa paciência
Sempre que os oficiais entravam
Tinha que fazer a continência

Se acaso não era bem feita
Diziam-no logo na presença
Então já passaste a pronto
E ainda näo sabes fazer a continência

Era do sargento ao comandante
Do comandante ao furriel
Não faziarn mais nada
Do que entrar ou saír do quartel

Mas ainda não pára aqui
Com 600 000 mil diabos
Mas no ano adiante
Tirei nova escola de cabos

Aquilo é que era de rir
Toda a gente do batalhão
Com 20 meses de tropa
Tirar nova instrução

Sempre que ia para a instrução
Enchia-os de “fihos da puta”
Pois já havia 20 meses
Que tinha tirado a recruta


Quando era da ginástica
Era boa a instrução
Mas o pior era quando
Íamos rastejando pelo chão

Para tirar a escola de cabos
Aquilo foi um bico de obra
Rastejando tal e qual
Como sendo uma cobra

No último dia de instrução
Aquilo foi engraçado
Chamaram então de parte
Aquele que foi aprovado

Por acaso eu fui um deles
Eu não minto meus senhores
E vou-Ihes já dizer
Quantos foram os meus valores

Não me posso estender muito
Se não ainda dizem que minto
Os valores que eu tirei
Foram dez mais cinco (15)

Foi assim a minha vida
Enquanto fui militar
Mas vidinha como aquela
É difícil de encontrar

domingo, 25 de setembro de 2011

Cavages

As Cavages são um dos lugares míticos da freguesia de Vale de Janeiro. Em tempos não muito idos, era uma espécie de estância de veraneio da aldeia principal e ainda hoje tem alguns atributos invejáveis: clima de terra quente e as águas do Tuela encostadas a terras que noutros tempos produziram muito vinho e azeite. Hoje resiste apenas a família da Tia Durbalina e do Carlos. Uma coisa seria essencial para facilitar a vida das pessoas que ainda aí vivem: o arranjo do caminho que liga Cavages a Vale de Janeiro. Um bocadinho de pressão bem organizada sobre a Câmara, sob a forma de um projecto? Provavelmente. A verdade é que melhorar os acessos às Cavages seria benéfico não só para as pessoas que lá resistem mas para toda a freguesia.

Antigo pombal e, ao fundo, o que resta das casas do Pégolado


Uma história lateral mas curiosa: há uns anos, penso que em 2003, 2004, a Hidrotuela elaborou um projecto para o "Aproveitamento hidroeléctrico de Cavages no rio Tuela". Podem encontrá-lo Aqui. Evidentemente, o impacto ambiental é minimizado e por pouco a mini-hídrica não avançou. E não avançou porque, em Setembro de 2005, o então Secretário de Estado do Ambiente emitiu uma declaração de Impacto Ambiental Negativa. Ufff! Está Aqui

Rio Tuela nas Cavages