sábado, 15 de outubro de 2011

Vale de Janeiro em 1758 - Corrigido


A ideia era antiga, pelo menos de 1721: um ano após a criação da Academia Real de História (1720), D. João V ordenou a elaboração de uma obra que se chamaria Lusitânia Sacra, que deveria conter informações sobre todas as paróquias, aldeia e lugares do Reino, mas também uma descrição geográfica, demográfica, histórica, económica e social tão exaustiva quanto possível do país. Responsável pela elaboração do inquérito foi precisamente a recém-formada Academia Real de História, que o enviou às autoridades religiosas e civis para que coligissem toda a informação. No entanto, a maioria dos inquéritos não foi devolvida. Apenas terão sido elaborados dois volumes, publicados em 1747 e 1752. Segundo se sabe, mais material existiria na altura, mas tudo se perdeu com o terramoto de 1 de Novembro de 1755.
Pouco mais de dois anos depois, os trabalhos foram retomados e ganharam acrescida importância, pois urgia agora determinar acima de tudo o estado em que ficara o país depois do terramoto. Assim, por aviso de 18 de Janeiro de 1758 do Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, mandava‑se remeter a todos os párocos do Reino, através dos principais prelados, um interrogatório sobre todas as paróquias e povoações do país. A Igreja era na altura a única instituição com representantes em todos os pontos do Reino, dos mais centrais aos mais remotos, constituindo uma malha uniforme, homogénea e disciplinada, suplantando mesmo a organização administrativa dependente do Estado.
No total, o interrogatório continha cerca de 50 perguntas e estava dividido em três partes, relativas à localidade propriamente dita e à paróquia, à serra, e ao rio. Pediam‑se informações de carácter geográfico (localização, relevo, distâncias), administrativo (comarca, concelho, dimensão, e confrontações), e demográfico (número de habitantes), sobre a estrutura eclesiástica e a vida religiosa (orago, benefícios, conventos, igrejas, ermidas, imagens milagrosas, romarias), a assistência social (hospitais, misericórdias, irmandades), as principais actividades económicas (agrícola, mineira, pecuária, feira), a organização judicial (comarca, juiz), as comunicações existentes (correio, pontes, portos marítimos e fluviais), a estrutura defensiva (fortificações, castelos ou torres), os recursos hídricos (rios, lagoas, fontes) e outras informações consideradas assinaláveis (pessoas ilustres, privilégios, antiguidades), e quais os danos provocados pelo terramoto de 1755. Desta vez, surpreendentemente, as respostas foram bastante mais numerosas e sobretudo enviadas muito mais rapidamente (o pároco de Vale de Janeiro, António Diaz, por exemplo, respondeu em Abril de 1758, ou seja, cerca de três meses depois de receber as perguntas).
Relativamente ao que aconteceu a seguir, as datas são incertas. Sabe‑se, porém, que em 1843 os 44 volumes contendo as respostas dos párocos estavam depositados no Arquivo da Torre do Tombo, onde ainda hoje permanecem. Este enorme acervo de informação sobre o Portugal pós‑terramoto foi ao longo dos anos diversamente estudado e explorado (encontram‑se noutros blogues de cariz “regional” ou “local” como este algumas transcrições e há obras muito interessantes sobre o assunto, como por exemplo esta impressionante e minuciosa monografia, coordenada pelo Professor José Viriato Capela, da Universidade do Minho, sobre "As Freguesias do Distrito de Bragança nas Memórias Paroquiais de 1758", que não só fornece um manacial de informações preciosas sobre as freguesias mas contextualiza com grande erudição a recolha de dados em que se traduziu o grande Inquérito Paroquial de 1758), mas não existe um estudo sistematizado e completo que abranja todo o país.
A verdade é que, com mais ou menos diligência e empenho, mais ou menos precisão e mais ou menos legibilidade ortográfica, os curas e párocos portugueses da época enviaram do país de meados do Século XVIII um retrato que, mesmo podendo não ser muito rigoroso nem exaustivo, contém informações preciosas sobre uma época crítica de viragem social e económica de Portugal.
Aqui fica então o que o pároco António Diaz mandou para o Terreiro do Paço sobre a aldeia de Vale de Janeiro. A transcrição respeita, na medida do possível, a ortografia original. As dúvidas vão assinaladas com um ponto de interrogação e as impossibilidades de descodificação com um triste espaço em branco sublinhado. Por agora, cheguei apenas à resposta n.° 9. O restante seguirá dentro em breve.

1) Em que província fica? A que bispado, comarca, termo, e freguesia pertence?
Vale de Janeiro
He da Província de Trás-os-Montes, termo da Vila de Vinhais, Bispado de Miranda do Douro. (Senhor donatário desta vila he o Senhor Conde de Atougia) (resposta à pergunta 2, mas inserido na resposta à pergunta 1).

2) Se é d’El Rei, ou de donatário, e de quem o he ao presente?
Senhor donatário desta vila (sic) he o Senhor Conde de Atougia.
Hé este lugar aldea pequena (sic) está em hum comcavo, nam se avista delle terra alguma. He apresentado alternativamente pello Reverendo Doutor Manuel de Chaves, Abbade de Santo Nicolau de Candedo e pello Reverendo Dom Joam de Sá Pereira do Lago, Abbade de Santo Lourenço do Lugar de Rebordelo.

3) Quantos vizinhos tem, o número das pessoas?
Vezinhos (sic) tem nelle com duas anexas que tem Maçayra e Cavages, sam sessenta e o número das pessoas emtre (sic) pequenas e grandes, duzentas e trinta.

4) Se está situada em campina, vale, ou monte; e que povoações se descobrem d’ela, e quanto dista?
Maçayra está situada em terra playna descobre‑se della o lugar de Valpaço e seu termo dista delle um coarto de légua.

5) Se tem termo seu [1]: que lugares, ou aldeias comprehende: como se chamão: e quantos vizinhos tem?
Tem termo de seu.

6) Se a paróquia está fora do lugar, ou d’entro d’ele? E quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia; e todas pelos seus nomes?
A parrochia está fora do lugar em hum alto chamado Serro do Castelo, delle se discobrem dez legoas em roda.
 
7) Qual é o seu orago [2], quantos altares tem, e de que sanctos: quantas naves tem: se tem irmandades: quantas, e de que santos?
O horago (sic) he a Senhora da Assunçam, tem trez altares, um do mesmo orago, outro de Santa Bárbara, outro de Santa Eufémia e nam tem rendimentos. Cavages estam metidas em hum bosque, nam se avista terra alguma somente hum rio que passa ao pé dellas.
 
8) Se o pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação he, e que renda tem?
O Parrocho hé cura anual por aprezentaçam dos Beneficiados supra. A Renda que tem sam oito mil Réiz e vinte e dois alqueires de trigo, vinte alqueires de centeio, doze almudes de vinho.
 
9) Se tem beneficiados: que renda tem: e quem as apresenta?
A esta nam tenho que dizer.


[1] “Ter termo seu” significava, na época, constituir uma freguesia propriamente dita, ou sede de freguesia.

[2] Patrono, orago ou padroeiro é um santo ou anjo a quem é dedicada uma localidade, povoado ou templo (capela, igreja, etc). A palavra descende de oráculo.



4 comentários:

Anónimo disse...

Eu sabia que isto era uma relíquia. Obrigada Nuno pela paciência para desbravar este documento. Boa continuação. Helena Nunes.

Justino Rodrigues disse...

Parabéns,para o historiador,só tu com a muita boa vontade que tens para a aldeia, muito obrigado.

urbana disse...

deverian de condecorate .por mostrar val de janeiro e a sua historia . muy enteresante

Milu disse...

Giro muito giro...parabéns